Petróleo e gás <br>no Algarve e Costa Alentejana
O gás natural e o petróleo, sem prejuízo de desenvolvimentos científicos e tecnológicos em curso susceptíveis do aproveitamento de outras formas de energia, são um recurso estratégico nas sociedades contemporâneas. Como qualquer recurso, ainda para mais limitado e escasso como é o caso, a decisão sobre o seu aproveitamento e utilização não é independente das condições em que se realiza, do tempo e do modo em como é efectuado, dos impactos económicos e ambientais da sua exploração, da natureza da propriedade em que esta actividade se desenvolve, da relação com outros recursos e actividades humanas.
O País precisa de uma política energética soberana, como uma das bases do desenvolvimento nacional
Todas estas questões estão e devem estar naturalmente em cima da mesa quando se discute a possibilidade da prospecção, pesquisa, exploração e produção de petróleo e gás seja no Algarve e na Costa Alentejana, seja no resto do País. Sobretudo quando o actual processo – com concessões já atribuídas a várias empresas – foi espoletado a partir do anterior governo PSD/CDS que assinou contratos duvidosos, sem qualquer consulta pública, sem qualquer estudo de impacto ambiental ou económico, sem qualquer articulação com uma estratégia de desenvolvimento do País, particularmente no plano energético.
Uma atitude que motivou inquietações e preocupações no seio das populações e dos agentes económicos, particularmente no Algarve, e que tem estado na base de diversas movimentações ocorridas naquela região que, sem prejuízo de aproveitamentos e instrumentalizações que possam existir, tem como pano de fundo a possibilidade de uma intervenção significativa naqueles territórios à margem ou mesmo em conflito com outras actividades económicas e valores ambientais ali existentes.
A avaliação de uma matéria tão complexa e multifacetada como esta implica um estudo prévio rigoroso e abrangente onde nenhuma das dimensões seja ignorada: a dependência energética; o direito do povo português conhecer os seus recursos; os impactos ambientais e noutras actividades económicas; a intervenção do Estado e a relação com os grupos monopolistas que operam no sector; o emprego, o desenvolvimento e a soberania nacional.
Rejeitando a perspectiva e os interesses daqueles que apenas olham para esta questão como uma oportunidade de negócio para o grande capital, mas também contrariando visões sobre esta matéria que, em nome de justas preocupações, ignoram que explorando ou não este recurso no nosso País, Portugal continuará a precisar desta forma de energia durante as próximas décadas com todas as consequências que daí decorrem, o PCP considera que é necessário estudar, avaliar, ponderar, para depois decidir sobre a forma e o modo da gestão e utilização destes recursos.
Um país 100% dependente
de petróleo e gás importado
Sendo a principal fonte de energia de todo o século XX e arranque do século XXI, os hidrocarbonetos têm um papel central nas dinâmicas e relações de poder entre classes e também entre estados, razão pela qual a disputa pelo seu controlo à escala mundial é um dos aspectos centrais nas estratégias de dominação económica e nos posicionamentos geopolíticos à escala mundial no quadro do funcionamento do sistema capitalista. Portugal é um dos muitos países que até ao momento não explorou quaisquer potenciais recursos, quer em terra quer no mar. É por isso um país completamente dependente do exterior desta fonte de energia, pesando de forma significativa não apenas no grau de dependência externa, mas também nas diferentes balanças.
O défice energético é hoje um factor de atraso e dependência nacional e uma marca estrutural das muitas fragilidades da economia portuguesa, que depende em cerca de 80 por cento das suas necessidades energéticas do exterior. Uma situação que é inseparável de décadas de política de direita e de integração capitalista na União Europeia; que privatizou todas as empresas do sector – GALP, EDP, REN; que degradou o investimento público, bem como as estruturas públicas no plano científico e tecnológico; que se atrasou na introdução e aproveitamento de todo o potencial no plano das energias renováveis (com alguma evolução nos últimos anos); que não promoveu no plano mais geral uma política de redução da intensidade e aumento da eficiência energética – transportes, indústria, habitação/edifícios; que atrelou o País aos interesses dos grupos monopolistas que intervêm no sector.
As consequências desta opção estão reflectidas nos crónicos défices comerciais e na balança de pagamentos do País, contribuindo para o seu endividamento e dependência externa, mas também no definhamento do aparelho produtivo nacional e perda de competitividade da economia portuguesa. Dependência que assume ainda impactos, quer na elevada pegada ecológica do actual perfil energético do País, quer nos custos no acesso à energia para as famílias e empresas. Consequências que o Partido combateu e denunciou ao longo dos anos exigindo uma outra política para o sector.
O PCP, sublinhando a necessidade do combate ao défice energético do País, sempre se bateu por uma outra política, incluindo a articulação da possibilidade do aproveitamento de todos os recursos nacionais, seja no plano das energias renováveis – aeólica, hidroeléctrica, solar, geotérmica e outras – seja no plano das energias não renováveis, como os hidrocarbonetos: petróleo e gás natural, com a redução da intensidade e aumento da eficiência energética do País.
Governo PSD/CDS fez contratos
nas costas das populações
A privatização da GALP, a degradação do sistema científico nacional, a falta de conhecimento acumulado neste sector, os elevados custos que só a pesquisa e prospecção envolvem, levaram o País a uma situação de não ter, por si só, capacidade de desenvolver no imediato o levantamento das possibilidades existentes no território nacional (offshore e onshore) para o eventual aproveitamento deste recurso, colocando-se por essa via nas mãos do grande capital.
O governo PSD/CDS, na continuidade de passos dados pelo governo PS/Sócrates, iniciou um processo de atribuição de concessões ao longo da costa portuguesa com particular incidência no Algarve e Alentejo, envolvendo as diferentes fases de pesquisa, prospecção e exploração de petróleo no Algarve e na Costa Alentejana. Concessões cujos contratos, na sua maioria com a Repsol (num consórcio que envolve também a PARTEX – Fundação Gulbenkian), foram construídos nas costas das populações, à margem de qualquer envolvimento, estudo ou consulta, e com condições claramente vantajosas para as concessionárias caso se venha a verificar interesse comercial e viabilidade na exploração.
Concessões cujos contratos foram tornados públicos pela acção e iniciativa do Partido que obrigou o governo a divulgar o conjunto de documentos que propositadamente ocultou. Contratos que, apesar de a lei não o exigir, foram celebrados sem qualquer tipo de estudo de impacto ambiental ou económico (face a outras actividades, designadamente o turismo ou as pescas). Contratos que revelaram que a concessionária, após recuperar integralmente os custos de pesquisa e desenvolvimento e após descontar todos os custos operacionais de produção (isto é, depois de atingir um resultado líquido positivo) pagaria ao Estado português apenas cinco por cento do valor dos primeiros cinco milhões de barris de óleo equivalente, sete por cento entre os cinco e dez milhões de barris de óleo equivalente e nove por cento acima dos dez milhões de barris de óleo equivalente.
Nas regiões do País abrangidas por estes contratos, particularmente no Algarve, e sobretudo pela forma opaca como o processo de atribuição de concessões tem sido conduzido, surgiram dúvidas e inquietações por parte de sectores da população, de alguns agentes económicos e das autarquias. A grande questão que é colocada é a da incompatibilidade entre, por um lado, a protecção dos valores ambientais e da actividade económica predominante na região – o turismo – e, por outro, a prospecção e a exploração de petróleo e/ou gás natural.
Na actual fase, sendo justas e legítimas as preocupações das populações quanto ao impacto nestas regiões (num quadro em que a produção de qualquer forma de energia arrasta sempre consigo impactos ambientais e económicos de diversa ordem), o processo de contestação à pesquisa, prospecção e exploração de petróleo e gás natural tem sido conduzido contra a admissão de qualquer hipótese da utilização dos potenciais recursos existentes. Um processo que se intensificou no plano político particularmente após as eleições de 4 de Outubro.
O que defende o PCP
O povo português tem o direito de conhecer com detalhe o conjunto de recursos geológicos que detém, entre eles os hidrocarbonetos, os quais, a existirem, exigem a ponderação das vantagens e desvantagens, da oportunidade e das condições do seu aproveitamento e devem ser sempre colocados ao serviço do desenvolvimento do País. Recursos cujo tempo e modo de exploração não são indiferentes e que requerem uma apreciação rigorosa quanto aos impactos que as acções de pesquisa, prospecção e exploração podem ter quer no conjunto das restantes actividades económicas quer no meio ambiente.
Ao contrário de PS, PSD e CDS, que privatizaram a GALP, destruíram quase completamente setores da indústria básica e parte importante das estruturas científicas e técnicas públicas, o PCP sempre defendeu que os interesses nacionais e a salvaguarda das actividades económicas e dos valores ambientais estarão tão mais garantidos quanto a prospeção e exploração de hidrocarbonetos seja feita por empresas e estruturas públicas.
Ao contrário do PSD, do CDS e do PS, o PCP não assume uma posição na Assembleia da República e outra, completamente diferente, no plano local como fazem muitos dos deputados e presidentes de câmara destes partidos, que se associam à contestação das populações para branquear as posições dos governos de que foram ou são responsáveis. O PCP não «acordou» para os riscos ambientais nos últimos meses como demonstra a denúncia e proposta apresentada sobre o intenso tráfego de embarcações de grande porte – incluindo de transporte de hidrocarbonetos – ao largo da costa portuguesa com elevado risco ambiental. Denúncia que o Partido voltou a retomar neste processo.
O País precisa de uma política energética soberana, como uma das bases do desenvolvimento nacional e que exige necessariamente mais investimentos com vista à melhoria da eficiência energética e da intensidade energética no produto, o inventário tão exaustivo quanto possível dos nossos recursos em energias renováveis e não renováveis, assim como a continuação da redução do nosso défice energético, designadamente através da exploração planeada dos recursos nacionais.
No caso do Algarve e Costa Alentejana, tal como no resto do País, deve ser exigida a realização de estudos sobre o impacto de uma eventual exploração de petróleo ou gás natural noutras actividades económicas. O País não pode, à partida, rejeitar a necessidade de conhecer e ponderar o aproveitamento dos seus recursos energéticos não renováveis, nomeadamente os hidrocarbonetos. É preciso estudar, avaliar, ponderar! Estudar a viabilidade da sua exploração comercial e os potenciais benefícios. Avaliar os riscos ambientais e a possibilidade de os eliminar. Ponderar os impactos noutras actividades económicas. Só com esse estudo, essa avaliação e essa ponderação é que o País estará em condições para, de forma esclarecida, tomar uma decisão.
Consideramos também que não devem ser assinados novos contratos de concessão de prospeção e pesquisa petróleo e/ou gás natural sem que, previamente, sejam realizados os necessários estudos de impacto ambiental e económico. Na situação actual, todos os contratos celebrados pelo governo PSD/CDS devem ser reavaliados o que implica a sua suspensão e pode envolver a sua anulação. Respondendo às questões de fundo que este problema suscita, o Governo deverá tomar todas as medidas adequadas para a recuperação do controlo público sobre o sector energético, assim como para o desenvolvimento das capacidades técnicas e científicas neste sector, no quadro da política alternativa, patriótica e de esquerda que o PCP propõe ao povo português.
Estas mesmas questões foram colocadas no Projecto de Resolução levado a votação no passado dia 1 de Julho na Assembleia da República, juntamente com iniciativas de outras cinco forças políticas – PEV, PS, BE, PSD e PAN – tendo sido parcialmente aprovado. Para além do combate à instrumentalização política desta questão que poderá, em vésperas de eleições autárquicas, continuar a ser brandida, o compromisso do PCP passará inevitavelmente pela fiscalização da acção do Governo face ao conjunto de recomendações que foram agora aprovadas na Assembleia da República, pela audição e esclarecimento das populações sobre as nossas posições, pelo contacto com o conjunto de forças vivas que têm manifestado interesse no acompanhamento deste problema, pela defesa intransigente dos interesses nacionais.